A armadilha da Mulher Maravilha, por Daniel Becker (e meu relato)

A gestação é um período de dualidades, explosão hormonal que faz com que a mulher tenha todo o tipo de sentimento que vai da alegria até a aflição. Foi o que eu ouvi de amigos e conhecidos, foi o que experimentei (e ainda tenho experimentado). 

Os primeiros 4 meses praticamente ninguém sabia, e apesar dos enjoos, indisposição e medos, superamos bem. Infelizmente alguns conflitos se iniciaram quando a noticia foi dividida: os pequenos palpites que, pouco a pouco, foram evoluindo para exigências, pedidos de empréstimos, pedidos de ajuda física, críticas diversas... A cada ligação que fazíamos e principalmente para as que recebíamos, subia aquele frio na espinha, um pavor pensando "o que vai ser dessa vez"? Não é de se espantar que as ligações se tornaram mais raras...

Isso tudo enquanto muitas vezes, por conta da impossibilidade do meu marido se afastar do trabalho, eu tinha que me virar sozinha para ir a consultas médicas (na grande maioria das vezes, de ônibus), da dificuldade para realizar as tarefas domésticas, das dores nas costas, das noites mal dormidas e consequente cansaço diurno, madrugando todos os dias... mas isso ninguém via, ou pelo menos, os que criavam tais conflitos não viam ou não queriam ver. 

Depois me deparo com o texto abaixo, que ao mesmo tempo que eu lia eu chorava por me identificar com o texto, e ainda estava no sétimo mês de gestação.

Mas, mais ajuda quem não atrapalha. Mas, felizmente, sei que não estamos sozinhos, nunca estivemos sozinhos. E todo o medo diminui pois no final, temos amigos maravilhosos, a família que a gente escolhe e que sempre está do nosso lado, compartilhando experiências sem superioridade, dividindo angústias, cheios de abraços. Por essas pessoas, somos eternamente gratos, todos os dias!

Assim, divido com vocês não só meu desabafo como também o texto do Daniel Becker...


Coluna do Dr Daniel Becke: ´´A armadilha da mulher maravilha´´

- Nasce um bebê no Xingu. Todas as mulheres da oca se mobilizam. A mãe está cercada de cuidados e apoio.


- Nasce um bebê no sertão das Minas Gerais. A avó, a bisavó, as tias, a prima cercam a mãe de cuidados.
- Nasce um bebê numa aldeia africana. Numa tribo em Maui. Numa cidadezinha no interior da Tailândia ou da Polônia ou da Inglaterra – a cena se repete. Na favela da Zona Norte as vizinhas e a tia que mora na laje de cima se encarregam de ajudar. E nas mansões dos jardins? Não são mais a avó e as vizinhas, mas as duas babás, a enfermeira, a faxineira, o motorista e o segurança.


Nasce um bebê em Copacabana, no apartamento 1104. A avó está trabalhando em tempo integral. O pai só tem cinco dias de licença. A vizinha do 1103 não só não ajuda, como sequer conhece, e ainda reclama do choro noturno. E a empregada diz que só ganha pra cuidar da casa. Ajudar à noite, nem pensar.
E aí temos esse fascinante fenômeno social: a única mulher do planeta que é deixada pra cuidar de um bebê sem nenhuma ajuda é a da classe media, urbana, ocidental. Pior: ela achava que ia conseguir…
Mas essa onipotência (culturalmente induzida, claro – e muitas vezes socialmente exigida…) só dura até o 5o dia, quando muito. Na segunda semana a mulher percebe que um bebê demanda demais. Precisa de atenção 24 horas, permanente. Que os intervalos do sono não são suficientes para que ela viva: descanse, almoce, tome um banho, respire, olhe pela janela, durma meia hora, atenda ao telefone, responda um email. E os cuidados muitas vezes exigem duas pessoas. Sem ajuda, é virtualmente impossível. A amamentação facilita e muito o cuidado, já que não é preciso tratar de mamadeiras, latas, esterilizadores e bicos. Mas é preciso tempo e descanso para produzir leite. É o clássico bordão, muitas vezes ignorado: um bebê só ficará bem se sua mãe estiver bem. Em alguns momentos, é crucial que a mãe volte a ser mulher – um indivíduo separado de sua filha, que precisa descansar, se cuidar, relaxar, pensar em outras coisas. Ela precisa desses momentos como o bebê precisa do seu leite.
Por isso, é preciso que tenhamos menos onipotência, e que reconheçamos que vamos sim precisar de ajuda. Para isso, é necessário planejamento: quem vai ajudar, como, quando. O pai vai segurar a onda nas noites? Até quando? A avó pode mesmo ajudar? E os conflitos que tantas vezes surgem nesse momento? Uma coisa é apoiar, acolher; outra, se intrometer ou criticar – fronteira sutil e muitas vezes rompida de forma inconsciente e perversa. A empregada vai cuidar da casa? Vai ter comida pronta? O patrão vai respeitar e não ligar para falar de trabalho?
Nos dias de hoje, a situação se complica ainda mais. Em nossos tempos hiper-conectados, de distrações múltiplas e permanentes e com enorme apelo, é dificílimo estarmos concentrados em uma tarefa. Muitas vezes a futura mãe se ilude e acha que vai amamentar, trocar fraldas, ver a novela, passar email de trabalho, estudar para o concurso e postar no Facebook, ao mesmo tempo, já nos primeiros dias de vida do recém nascido.
E como se a situação em si já não fosse complicada o suficiente, aparecem outros obstáculos: o marido quer ensinar a colocar o bebê no seio (com a melhor das intenções), dizendo que ela está fazendo errado; a mãe (avó do bebê) diz “mas o que custa dar uma mamadeirinha, ele chora tanto”; as amigas dizendo que pra elas foi muito simples, que fizeram assim ou assado e que você está fazendo tudo errado; a prima exibicionista cujo bebê dorme bem, mama bem e “não dá nenhum trabalho”…. e a sociedade toda dizendo que se você não consegue amamentar seu bebê e cuidar dele integralmente, é porque não tem competência.
Reproduzo aqui um depoimento da Chris Nicklas em seu site “Amamentar é…” que descreve essa situação de forma muito concreta e emocionante:


“Tantas pessoas entraram na minha casa com a intenção de ajudar! Nossa, nem sei dizer… Quantas realmente me ajudaram? Conto nos dedos!


Qual será o problema? Por que é tão difícil se abrir para enxergar o que o outro precisa?


Me recordo de uma situação em específico. Eu com o mamilo esquerdo inflamado sofrendo por ainda sentir dores no aleitamento materno, apesar dos meus filhos já estarem com três meses. As pessoas passando por mim dizendo barbaridades do tipo:


- É assim mesmo, vai calejar…


- Dê a mamadeira! Olha o que você está fazendo com você mesma, pra quê?


- Dê o peito assim mesmo! Não pode estar doendo tanto assim!

As horas passando e o meu desespero aumentando. Minha consulta médica já estava marcada. Mal eu sabia que estava com sapinho e por isso voltava a ser dolorido amamentar. Meu estado emocional não me permitia enxergar um palmo na frente do nariz!

Muito bem, numa certa altura chega minha sogra em casa. Me olha e fica devastada com o meu estado. Minha cara era de puro desconsolo. De repente ela me lança a seguinte pergunta:

- Minha filha, o que você precisa? Me diga o que fazer para te ajudar…

Meus olhos se encheram de lágrimas. Uma pergunta tão simples e tão rara de se ouvir.

Ficamos ali nos olhando, enquanto meu coração transbordava de tantos sentimentos e emoções.”


O que a mulher precisa no momento da amamentação é apoio de verdade. Apoio aberto, honesto e atento. Ela não precisa de crítica, ensinamentos verticais, lições de moral ou prescrições autoritárias. Muito menos de conselhos sobre mamadeiras. Ela precisa de espaço psíquico, tempo e um mínimo de estrutura para se dedicar ao bebê. E de apoio técnico, prático, de que falaremos mais adiante.
Aliás, esse é um importante papel que o pai pode exercer nesse momento da vida familiar, o nascimento de um filho. Tão ou mais importante quanto trocar fraldas, ninar e dar banho, é garantir que o binômio mãe-bebê vai ter paz e tranquilidade para se conhecer, se conectar, evoluir em direção a um bom desenvolvimento e a uma amamentação bacana. Para isso, cuidar da casa, e garantir que esteja em ordem; comida na geladeira e contas em dia; atender o telefone e dar conta dos palpiteiros; receber as visitas e oferecer as desculpas pois a mamãe agora está descansando… e estar atento às necessidades da sua mulher.
Gosto de comparar a família neste momento do ciclo vital com o átomo: no núcleo central, mãe e bebê recém nascido – próton e nêutron – numa relação de simbiose e magnetismo. Em torno deles, o elétron, não diretamente envolvido na troca nutritiva mas fundamental no equilíbrio de energias, nas trocas afetivas, no cuidado com a família.
No próximo e último capítulo: o campo de possibilidades – tudo pode acontecer entre uma mãe e seu bebê. Reconhecendo sua posição é possível encontrar a ajuda apropriada. E a gama de possibilidades de apoio à lactante no Brasil é das melhores do mundo.
Fonte: http://www.amamentareh.com.br/mulher-maravilha/

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